Pages

Tecnologia do Blogger.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

RESENHA CRÍTICA SOBRE O DOCUMENTÁRIO “JANELA DA ALMA”

O documentário “Janela da alma”, de João Jardim e Walter Carvalho, lançado no Brasil em 2001 pela Empresa Produtora TAMBELLINI FILMES E PRODUÇÕES AUDIOVISUAIS LTDA e a Co-produção: DUETO FILMES em associação com Estúdios Mega e Tibet. filme. É um recorte de aproximadamente 73 minutos de imagens e depoimentos, onde as experiências e as opiniões dos 19 entrevistados estão intercaladas por jogos de imagens focadas e desfocadas em vários ângulos com o intuito de proporcionar ao expectador a sensação de “enxergar o mundo através do olhar da pessoa que possui alguma alteração, da miopia discreta até a cegueira total, na capacidade visual”.

O título da obra remete à citação atribuída a Leonardo Da Vinci, na qual diz que ”Os olhos são a janela da alma e o espelho do mundo”. O neurologista inglês Oliver Sacks em sua entrevista complementa a citação, “Dizemos que os olhos são a Janela da Alma, sugerimos de certa forma que olhos são passivos e que as coisas apenas entram. Mas a alma e a imaginação também saem o que vemos é constantemente modificado por nosso conhecimento, nosso anseio, nossos desejos, nossas emoções, pela cultura e pela teoria cientifica mais recente”. A impressão que surge nos primeiros minutos iniciais do documentário, é de que se trata de uma abordagem sobre o ato de ver, sobre a visão, e sobre como determinadas pessoas que possuem problemas na acuidade visual lidam com isso. No entanto, o documentário vai mais além, não se resignando apenas a tratar da visão (ou da falta dela) a partir de um lado pessimista ou limitador do que é enxergar. O tema é desenvolvido de maneira enriquecedora. Não há pontos de vista a serem defendidos e nisso, o documentário possibilita inúmeras reflexões, a depender da experiência de cada um.

Na história do cinema nacional, o documentário “Janela da alma” teve o maior público para um documentário desde a década de 90, e ganhou o prêmio do júri e do público na Amostra Internacional de Cinema de São Paulo. O carioca João Jardim estudou cinema na Universidade de New York e começou como assistente de direção. Trabalhou com Paul Mazursky em Luar sobre Parador (1988), com Murilo Salles em Faca de dois gumes (1989) e com Carlos Diegues em Dias melhores virão (1989). Montou programas musicais para televisão, produzidos pela Conspiração Filmes, entre os quais Tudo ao mesmo tempo agora (1991), com os Titãs, Mais (1991), com a cantora Marisa Monte, e Caetano 50 anos (1992), com Caetano Veloso. Na Rede Globo integrou o núcleo de produção dirigido por Carlos Manga e editou e dirigiu minisséries, entre elas Engraçadinha. Em 2005, finalizou Pro dia nascer feliz, documentário que aborda a educação pública na adolescência em diversas regiões do país, que ganhou o prêmio especial do júri no 10º Cine - PE e foi selecionado pro Festival de Gramado 2006.

E o premiado diretor de fotografia, Walter Carvalho, trabalhou com grandes nomes do cinema nacional, como Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos. Estabeleceu sua mais constante parceria com o cineasta Walter Salles, com quem trabalhou em Abril despedaçado (2001), O primeiro dia (2000), Central do Brasil (1998), Terra estrangeira (1995) e nos documentários Socorro Nobre (1995) e Krajcberg, o poeta dos vestígios (1987). Começou no cinema trabalhando em filmes de seu irmão, o documentarista Vladimir Carvalho, e como assistente dos diretores de fotografia José Medeiros, Dib Lutfi e Fernando Duarte. Fez também novelas e minisséries para TV. Entre os mais de 40 prêmios que já recebeu, destacam-se os troféus em festivais internacionais voltados para fotografia, como o CameraImage, na Polônia, em que recebeu o Golden Frog por Central do Brasil, e o Festival da Macedônia, onde recebeu a Câmera de Prata por Terra estrangeira e duas Câmeras de Ouro, por Central do Brasil e Lavoura arcaica (2001), de Luiz Fernando Carvalho. Por este filme recebeu ainda os troféus de melhor fotografia nos festivais de Cartagena e Havana, o prêmio da Associação Brasileira de Cinematografia (ABC) e o Grande Prêmio BR do Cinema Brasileiro. Assinou também a fotografia de longas como, Janela da alma, realizado em parceria com João Jardim, um sucesso de crítica e público, entre outros.

O primeiro depoimento apresentado no documentário “Janela da alma”, é do Hermeto Pascoal, músico instrumentista. No qual, ele relata que não consegue fixar os olhos em um único objeto, suas pupilas se movem ininterruptamente em direções diferentes e segundo o músico, sua vista é mais rica, porque enxerga mais.



Em depoimento seguinte, o escritor José Saramago, Nobel por seu livro Ensaio sobre a Cegueira, dá continuidade recortando o tema de Janela da Alma. Para Saramago, “a visão limitada do homem o faz ser como é”. Ele faz uma parábola e imagina que se Romeu tivesse os olhos de falcão, provavelmente não se interessaria por Julieta, já que ele enxergaria muito mais defeitos do que o olho humano é capaz de fazê-lo. No documentário Saramago diz como surgiu a ideia para escrever Ensaio sobre a Cegueira, quando se perguntou como seria o mundo se todos fôssemos cegos. De acordo com sua reflexão, a resposta é que já somos, tendo em vista à total desordem que assola o mundo, o desafeto, a miséria etc.

Assim, o documentário de Jardim e Carvalho, embora não negue em determinados momentos uma investigação mais banal sobre o tema, se aprofunda em uma discussão plural e abstrata, em que o tema “visão” é apenas um propulsor para diversas compreensões de mundo, sejam elas de cunho artístico, filosófico, poético, científico ou social.

O fato é que a obra esbarra talvez de modo involuntário, na questão filosófica acerca da beleza: “Ela é inerente ao mundo ou só existe porque somos capazes de percebê-la através da visão?”. Entre outros questionamentos também abordados, são: “O ‘enquadramento’ da armação dos óculos limita a visão no sentido da percepção?”, “A ausência de um sentido, no caso a visão, influência de modo a aumenta a capacidade de outro órgão do sentido?”, “Cegos sonham com imagens visuais?”, esses entre outros questionamentos são discutidos no decorrer das entrevistas.

Talvez seja disso que o filósofo esloveno Evgen Bavcar queira falar com suas fotografias. Bavcar se tornou cego após dois acidentes de guerra. As perguntas imediatas que qualquer um faria não são colocadas pelo documentário, “Pode um cego fotografar? Qual é o valor artístico de um fotógrafo que não vê o que enquadra?”. Essas perguntas não são feitas mas, mostra o fotógrafo em ação, fazendo fotografias e medindo com as mãos o foco, tateando o espaço entre a câmera e a modelo. Evgen Bavcar também não problematiza a questão, pelo contrário, se mostra tão surpreso quanto qualquer outro, falando que a primeira vez que revelou as fotografias feitas após a cegueira, não acreditou quando disseram que havia ali imagens. Mas há um determinado trecho no documentário que é revelador, quando Bavcar mostra as fotos que fez de sua sobrinha no campo. Enquanto ela corria com um sininho, ele podia seguir seus movimentos através do som. Ele explica que fotografou, na verdade, o barulho desse sino, que não aparece nas fotos. Assim, ele estaria fotografando o invisível.

No que diz respeito a nós estudantes ou profissionais de Psicologia, a obra faz uma abordagem, no mínimo um tanto diferente, sobre a questão da percepção que esta intimamente ligada com a visão. O que nossas retinas captam é apenas uma pequena parte daquilo que vemos. A luz varia em comprimento de onda, amplitude e pureza. Ela entra nos olhos através da córnea e pupila e é focalizada na retina pela lente. A retina transforma a luz em impulsos neurais que são enviados ao cérebro através do nervo óptico. Campos de receptores são áreas da retina que afetam a descarga nas células visuais. Elas variam em direção e formato, mas disposições centrais circunvizinhas são comuns. Duas trilhas visuais para o cérebro enviam sinais através do tálamo e de diferentes áreas do córtex visual, que contém células que parecem funcionar como detectoras de características.

Percepções de cor são primeiramente uma função do comprimento de onda de luz, enquanto a amplitude afeta o brilho, a pureza afeta a saturação. Percepções de cores dependem de processos que se assemelham à mistura aditiva de cores. De acordo com as teorias de análise de características, as pessoas detectam elementos específicos em estímulos e com eles montam uma forma reconhecível. A Psicologia Gestáltica enfatiza que o todo pode ser diferente da soma de duas partes. Na perspectiva neurológica, nem sempre o que percebemos é o que existe: nosso cérebro é “craque” em ativar memórias, existentes ou não.



A percepção que se tem do mundo é um opinião tão singular quanto cada indivíduo que as têm. Se visão da realidade já varia entre as pessoas que possuem o órgão da visão em pleno funcionamento, o que dizer então, sobre as pessoas com problemas na acuidade visual; “Vocês nunca se vêem fora de foco, pensando fora de foco. Você acha que pensa direito. Às vezes você acha que tem dúvidas, certezas! A idéia de fora de foco, no nosso mundo visual, é muito grave. Eu não me penso fora de foco, o mundo é que está fora de foco ou eu estou fora de foco?” (Marieta Severo). Na nossa concepção, a percepção é muito mais além do simples olhar, é um processo que envolve vários pólos, desde captação do estímulo e sua transformação em imagem, a emoção presente no contexto, o processo de ativação da memória, a interpretação mediadas pelos nossos valores, a nossa bagagem cultural à mudança comportamental, que as formas de percepções podem ocasionar.

0 comentários:

Postar um comentário